Em nome de Deus e em Nome do Culto.
Já parou para pensar quantas atrocidades foram cometidas em nome de Deus e em nome do culto? Após o desafio entre o profeta bíblico Elias e os 450 profetas de Baal, quando Elias vence o desafio, não há uma ordem direta de Deus dizendo para o profeta matar 450 pessoas.
Naquele momento, o registro bíblico não fala que Deus ordenou a morte dos profetas, mas sim que Elias tomou a decisão de executá-los. Vamos explorar esse episódio e outros textos para refletir sobre a relação entre fé, culto e violência.
O Contexto Bíblico
Em Deuteronômio 13:1-5 e Deuteronômio 18:20, Deus instrui que falsos profetas, especialmente aqueles que desviam o povo para outros deuses, deveriam ser mortos. Vejamos o que está escrito em Deuteronômio 13:1-5 (NVI):
1. Se um profeta ou sonhador de sonhos se levantar no meio de vocês e anunciar um sinal ou um prodígio,
2. e, se o sinal ou prodígio que ele previr acontecer, e ele lhe disser: “Vamos atrás de outros deuses (deuses que vocês não conhecem) e vamos servi-los”,
3. não dê ouvidos às palavras desse profeta ou sonhador de sonhos. O Senhor, o seu Deus, está pondo à prova vocês para saber se o amam de todo o coração e de toda a alma.
4. Sigam o Senhor, o seu Deus, e temam-no; guardem os seus mandamentos e obedeçam-lhe; sirvam-no e apeguem-se a ele.
5. Esse profeta ou sonhador de sonhos deverá ser morto, pois incitou a rebelião contra o Senhor, o seu Deus, que os tirou do Egito e os resgatou da terra da escravidão. Ele tentou desviar vocês do caminho que o Senhor, o seu Deus, ordenou que seguissem. Usem a pena de morte para eliminar o mal do meio de vocês.
Imagine quantas pessoas foram mortas por conta desses escritos. Após Elias vencer o desafio contra os profetas de Baal, seria razoável esperar uma simples conversão dos derrotados e uma mudança de caminho. Contudo, o texto bíblico descreve uma carnificina no riacho de Quisom, onde Elias ordenou a execução dos profetas de Baal.
A Interpretação de Elias e o Culto Religioso
Elias agiu de acordo com uma autoridade divina que ele acreditava ser verdadeira, mas será que ele estava realmente seguindo uma ordem direta de Deus? O registro bíblico não menciona explicitamente que Deus ordenou a execução dos profetas de Baal após o desafio. Essa ação pode ser interpretada como um reflexo das normas e práticas do contexto cultural e religioso da época, onde ações extremas eram tomadas em nome da pureza da fé. Elias, então, pode ter agido com base em uma interpretação das escrituras que justificava tal violência.
Por outro lado, não podemos ignorar que existiam sacrifícios humanos no culto de Baal, como evidenciado em Levítico 18:21 e Jeremias 7:31. Esses textos condenam práticas de sacrifício de crianças e outros tipos de ritual macabro, sugerindo que o culto a Baal envolvia atos de extrema violência.
Contradições na Bíblia
No entanto, a Bíblia também traz ensinamentos contrários à violência. O sexto mandamento, que afirma “não matarás” (Êxodo 20:13), está em contraste com passagens que parecem justificar a morte de inimigos em nome da fé. Gênesis 9:6 (NVI) diz: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem à sua imagem.” E, em Levítico 24:17, lemos: “Quem matar alguém, deverá ser morto.”
Essas passagens indicam que, em outras partes da Bíblia, há uma clara ênfase na preservação da vida humana. Por que então, em outros momentos, parece haver uma justificação para matar em nome de Deus? A resposta pode estar na interpretação das escrituras e na maneira como as culturas antigas viam a religião e a justiça divina.
A Complexidade das Escrituras
É importante considerar que os textos sagrados foram escritos em contextos históricos específicos, e muitas vezes refletem uma visão de mundo que não podemos aplicar diretamente nos dias de hoje. A violência nos escritos antigos pode ter sido uma forma de lidar com ameaças à sobrevivência ou ao poder religioso e político. Contudo, a mensagem central de muitos desses textos é de misericórdia e perdão, como vemos nas palavras de Jesus Cristo no Novo Testamento, que desafiou as normas e pregou o amor ao próximo, até mesmo aos inimigos.
Outras Religiões e a Violência em Nome do Culto
O tema da violência religiosa não se limita à Bíblia. O Alcorão, por exemplo, contém passagens que também foram interpretadas como justificativas para a guerra em nome de Deus, como em Surata 9:5 e Surata 8:12. No entanto, assim como na Bíblia, muitos estudiosos muçulmanos enfatizam o contexto histórico dessas passagens, que se referem a situações de guerra no século VII. A mensagem de paz e misericórdia também é uma parte central do Islã.
No Bhagavad Gita, dentro do Mahabharata, vemos um contexto em que a guerra é vista como parte do dever religioso (dharma). No entanto, a guerra no Gita é apresentada como uma luta interior e espiritual, onde o verdadeiro inimigo é o ego humano e a ilusão da separatividade.
Reflexão sobre o Homem e a Interpretação Religiosa
Em última análise, o problema não reside apenas nos textos sagrados, mas na maneira como os homens interpretam esses textos. A interpretação literal ou distorcida pode levar a atrocidades, mas é possível interpretar essas escrituras de forma a promover a paz e a misericórdia. A verdadeira mudança ocorre quando o ser humano vence sua própria ira e busca compreender a vida como um ciclo de aprendizado e perdão.
A Filosofia do Tolerâncialismo
Nossa reflexão filosófica propõe que a violência nunca deve ser respondida com mais violência, e que as respostas ao mal devem ser dadas com compaixão e entendimento. O “Tolerâncialismo” é a ideia de que, ao vencermos nossas próprias fraquezas internas, podemos quebrar o ciclo de vingança e ódio. Um “mestre de si” é alguém que supera os impulsos destrutivos e se torna um exemplo de paz e tolerância.
Conclusão
Entendemos que tanto na Bíblia quanto em outros textos religiosos, existem passagens que, se interpretadas literalmente, podem justificar a violência. No entanto, também é possível encontrar ensinamentos de paz e misericórdia. O problema está na interpretação humana, que pode distorcer ou negligenciar os aspectos pacíficos das escrituras. Devemos aprender a ver a religião não como uma desculpa para a violência, mas como um caminho para a paz, o perdão e a compreensão mútua.
A parte boa que entendemos que existe nas religiões, é aquela que ensina a preservação da vida, a compaixão e a superação do ego, conduzindo o ser humano à iluminação interior e ao entendimento de que, em última análise, todos somos responsáveis pelo bem-estar uns dos outros.
Artigo: Irmão Barbosa.
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Este Artigo faz parte do Livro de Toleran. O Livro do Tolerâncialismo.
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